30 setembro 2001

Sobra homem no mercado - parte II
Bíbi Da Pieve



A Mariana tinha conhecido o Antônio na seção dos congelados, no supermercado, e jurava amor eterno.

Tinha até uma tese, que ia virar livro: sobra homem no mercado. Segundo a pesquisa, o principal ponto de aglomeração de material masculino disponível era, justamente, o supermercado.

O príncipe encantado estaria, veja só, bem na frente de um freezer, escolhendo o sabor da lasanha. Bastaria um pouco de intuição, e a moçoila esbarraria direto no homem da sua vida, como quem bate o olho e aponta - enfim, encontrei o atum em água e sal!

Mas, infelizmente, a Mariana não deu muita sorte. Veio me contar, meses depois de ter conhecido o Antônio, ex-homem da sua vida, que não haveria mais casamento algum.

- Não vingou! - ela fez uma cara de quem estava mais preocupada com a derrota da tese do que, propriamente, com o fim do Antônio.

Senti que o problema era mais teórico do que sentimental, e peguei leve. Aliás, aquilo era quase um caso acadêmico.

Mariana que se preze, como é sabido, nasceu lá pelo final da década de 70, com a mãe ouvindo Geraldo Vandré, e Belchior na voz da Elis Regina. E com isso não se brinca.

Uma vez ferida a intelectualidade da Mariana, a casa vem abaixo. Ou ela não se chama Mariana.

- Eu sinto muitíssimo, amiga. Nem sei o que dizer...

- Não se preocupe, eu vou ficar bem.

- Olha, eu sou péssima em conselhos. E nem somos assim tão íntimas.
Mas pode se abrir comigo. Claro, não precisa entrar em detalhes. Mas, afinal, o que há de errado com esse Antônio?

- Beija gelado e duro. Para lasanha congelada, só falta beijar à bolonhesa.

- Tão ruim assim?

- Pior. Na cama, então, é um fiasco.

- Credo!

- Fora isso, tem mania de grandeza. Não sabe ouvir. Repete sempre a última frase, pra ganhar tempo pensando em outra. Aperta o tubo de pasta de dente bem no meio. Pergunta "entendeu?", fica estressado no trânsito, batuca na mesa, vive com pressa. E cutuca.

Cheguei a ficar sem jeito, tamanha a desenvoltura da Mariana para debulhar a intimidade do pobre Antônio, assim, na minha frente. Parecia até que ela tinha catalogado os defeitos do ex-príncipe, pelo modo prático e eficiente com que discorrera sobre eles.

Quis mudar de assunto rápido; perguntei se, então, ela tinha desistido da tese e do livro.

- O quê? De jeito nenhum!!! O livro já está pronto, a tese segue valendo. Só porque não deu certo comigo, não quer dizer que não funcione com as outras pessoas. Sobra homem no mercado, e vai continuar sobrando! Não abro mão do meu livrinho, não!

- Mas você não se sente culpada por publicar uma tese que não pode comprovar? E se todas as Marianas se derem mal, como é que fica? O que é que você vai escrever, por exemplo, no prefácio desse livro?

- O Antônio é o prefácio. E depois não digam que eu não avisei. Pronto, isso é o máximo da minha honestidade literária!

- Que horror! Não acha que já está exagerando?? Você namorou com esse cara quase meio ano, e agora vai expor toda a intimidade do sujeito nas primeiras páginas de um livro?

- Tolinha. Namorado, mesmo, ele foi durante uns três dias. Depois do centésimo "entendeu?", o Antônio deixou de ser sujeito, e passou a ser mero objeto da minha pesquisa. Minha mãe já dizia: tudo bem, o amor é lindo, mas alguém tem de estudar aqui nesta pocilga!!!

A mãe da Mariana largou tudo, e foi exercer o seu jornalismo lá na África do Sul. O marido - que já é o quarto, depois do pai da Mariana, que morreu jovem - ainda está tentando achá-la. Quando conseguir, pretende trazê-la de volta à pocilga, doce pocilga onde viviam.

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