14 junho 2002

NOSSO "DÉCIMO-TERCEIRO"


Outro dia eu escrevi que músico não tira férias, mas "férias" - entre aspas, porque não recebe por elas, e também porque, na verdade, nunca consegue parar de tocar ou cantar.

Hoje eu vim falar a respeito do nosso "décimo-terceiro". Claro que também entre aspas, e bota entre aspas nisso. Décimo-terceiro de músico, meu amigo, funciona assim: se quiser uma graninha extra, que vá arrumar trabalho extra. E não reclame.

Certa feita, resolvemos arrumar um décimo-terceiro lá pelas bandas do interior rio-grandense. Era Natal. E chovia.

Show marcado, depois de muita negociação, lá fomos nós. Sete horas de viagem, mais ou menos. Pegamos de tudo: neblina, garoa, chuvarada, aguaceiro na pista, lama, vento, árvore caída, buraco e vaca distraída. Mas chegamos.

O dono do estabelecimento, muito simpático, recepcionou a banda com abraços e sorrisos de orelha a orelha. Já desconfiei: aí tem.

Proprietários de casas noturnas e crianças levadas, quando sorriem de graça, é que boa coisa não fizeram. Pé atrás com eles.

Vamos direto ao assunto: o problema era o hotel. O combinado era um três estrelas, o melhor que havia na cidade. Mas "estava lotado" - entre aspas, é claro. Desculpa esfarrapada.

Resolveram colocar a banda, então, num "alojamento". Entre aspas. Na verdade, era o quartel da cidade.

O "camarim" - também entre aspas - era, imagine, o próprio quartel. E o "restaurante" onde faríamos a nossa "ceia de Natal" era, adivinhe? O refeitório do quartel.

Para chegarmos ao "camarim", deveríamos atravessar um campo de futebol, pular um muro de um metrinho, virar à esquerda e pronto. Ali, era o portão de entrada do quartel. Mais uma estradinha de chão batido, e chegávamos ao quarto dos meninos. Soldados simpáticos e prestativos nos acompanhavam. Cerca de meia-dúzia.

Eu, única menina da banda, tinha justamente o quarto mais distante ainda. Era escuro, chovia, e aquilo mais parecia um labirinto de filme de terror. Mas eu ia tomar banho, trocar de roupa e me maquiar (sem espelho), acompanhada por seis doces milicos que, entre risadinhas e comentários que preferi nem ouvir, levavam-me até o quarto e esperavam, de prontidão, do lado de fora da porta. Ainda bem.

A "ceia de Natal", acredite, era um churrasco tão duro e queimado, que até hoje não sei dizer se aquilo era vaca, porco, galinha, ovelha ou... nem quero pensar nisso.

O show, nem preciso dizer, foi um fiasco absoluto. Eu queria muito cantar, mas estava engasgada, com pedaços de sei-lá-o-quê entalados nos mais diversos cantos da minha garganta. Era impossível.

Sem contar que o palco era ao ar livre, e a chuvarada tratou de invadir a tímida lona que cobria nossas cabeças. Meu irmão - guitarrista - saiu com fama de drogado, por causa da performance estranha: mas era apenas choque elétrico, o povo não entendeu.

Minha maquiagem, então, era algo entre Bozo e "mulher da vida" - entre aspas, porque a delas é bem melhor.

Foi assim que, a duras penas, embolsamos nosso décimo-terceiro daquele ano. E voltamos para casa, no outro dia, embarrados, humilhados, famintos, exaustos, quebrados. E cantando:

- Noite feliz... Noite feliz...

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