14 novembro 2002

Nem conto a vocês: acabou a TPM.

Estou feliz como pinto no lixo. Vem chegando o verão, como já dizia a Marina Lima, nos bons tempos em que eu era só uma criança que se achava adulta – e não o contrário, como agora.

Vou contar uns causos. Aprendi a ler e a escrever com meu irmão (e guru). Um dia, minha mãe pediu a ele que não esclarecesse minhas dúvidas ortográficas tão prontamente; que eu deveria aprender a pensar, descobrir se casa era com “s” ou com “z” por via de meu próprio raciocínio.

- Mano, casa é com “s” ou com “z”? – perguntei, certa feita.

- Você acha que é com “s” ou com “z”? – ele questionou.

- Não sei, Mano! Me responde!

- Não posso responder.

- Pode, sim, responde!

- Está bem, é simples: se você quer que seja com “s”, então será. Se quiser que seja com “z”, assim será também. Você tem de escrever como pensa que deve ser!!

Fiz uma cara de surpresa-abobalhada-meio-desconfiada que ele não deve ter entendido por anos; até que, já adolescente, confessei que aquele momento fora, para mim, verdadeira iniciação espiritual.

Lembro-me, como se fosse ontem, de ter pensado: “Uauu!! Se o Mano diz que ‘casa’ se escreve como EU quiser, então quer dizer que tudo que EU quiser se tornará realidade!! Logo, EU SOU DEUS!!!”

Sim, porque minha avó dizia, sempre que podia, que Deus era todo-poderoso: o único ser a quem o universo ouvia e respondia sempre com obediência.

A partir daquela revelação precoce, eu saía pela casa, com um sorrisinho de canto, decretando normas secretas e dando ordens explícitas aos anjos – sempre com muito cuidado, é claro, para que ninguém percebesse meus superpoderes divinos. Poderiam se sentir diminuídos perante a minha magnitude, ou mesmo temer futuros castigos (minha avó também dizia que Deus castigava, mas eu ainda sequer havia estudado esse capítulo, o de como castigar).

Não. Não era isso que eu queria. Queria só respeito e amor dos próximos a mim-Deus. (Pelo que eu entendia, os “próximos” eram todos aqueles que não eram Deus; ou, por outra: todos os outros - que não Eu. Por isso se chamavam “próximos”, porque eram os próximos a partir de mim – Deus.)

Não sei se me fiz entender.

E assim fui seguindo, certa de que faria milagres com um pé nas costas, e ajudaria a quem necessitado estivesse, contanto que me prestassem a obediência devida e, volta e meia, acendessem uma vela em Meu nome.

Caí do cavalo quando o meu primeiro pretendente – era eu quem o pretendia! -, uns vinte e cinco anos mais velho que eu, casado e com três filhas, não fez menção alguma de me atender quando, confiante, ordenei: APAIXONA-TE OU MORRERÁS!!!

Nem uma coisa, nem outra.

Como Deus, eu era um fracasso. Caí na maior fossa, vivia arrasada pelos cantos, mal dormia, mal comia, mal falava. Não rezava. (Rezar a quem?)

Aí foi que eu caí na real, resolvendo: de duas, uma. Ou eu não dou Deus, ou o Bicho Homem é que é o Diabo.

Claro que fiquei com a segunda opção.

;oP

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