14 fevereiro 2003

Ai, não sei, hoje acordei com uma disposição incomum para a vida, para as pessoas, para as flores, para os céus, para os abdominais, para os agachamentos, para os glúteos, para os bíceps, tríceps, e até para a Lívia, da novela das 7h! Não é incrível?

Estou vestida com o mesmo short vermelho de sempre, aquele que ganhei de minha mãe na última visita, mas me sinto absolutamente em trajes festivos. É como se eu usasse uma saia rodada, colorida, florida, fresca e repolhuda ao mesmo tempo, e um top de cetim azul celeste. Já pensou, cetim?

Faz o mesmo calor repugnante das últimas semanas nesta cidade maravilhosa, mas, não sei, a brisa sopra de um jeito que me faz lembrar a infância nos verdes pampas de Encruzilhada do Sul, onde aprendi a cavalgar em nossa égua Pitanga, muito antes do pocotó fazer tanto fuzuê nessas rádios crudelíssimas que insistem em... mas vamos mudar de assunto, ou acabo esquecendo o bom humor.

Valha-me Deus, há muito tempo eu não começava o dia tão otimista! Deve ter sido por conta dos meus sonhos m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o-s da noite passada, mas esses eu não conto nem sob tortura... hohoho, tenho direito a meus mistérios, não tenho?

E vocês, que mistérios andam escondendo por aí? “Que mistérios trago no peito...”, dizia a canção “Meu Pago”, que eu cantava com meu tio nos tempos da MPG. Quase participei de um festival, mas ainda era muito novinha.

Há sempre qualquer coisa escondida aí dentro de você, amigo, que o faz sorrir de cantinho quando alguém dá “a deixa”. Não vá negar, que é feio.

A deixa é a senha – aquela palavrinha mágica, que é mágica só para a gente. Um sinalzinho bobo; alguém come uma letra na palavra, e você se lembra daquela namorada de infância que falava errado... pronto, lá vem o mistério. Você desvia o olhar da conversa, perde o tom da canção, vira a cabeça, faz um biquinho desentendido, mas não controla o sorriso bobo. Nem que dure só um segundo.

Na televisão, você vê uma roupa, você ouve uma frase, você sente um sotaque carregado lá daquela cidade onde esteve há tanto tempo, e nunca mais voltou. É a deixa. Ninguém vai compartilhar da sua comoção relâmpago: o mistério é só seu, pode suspirar à vontade.

Alguns mistérios desta vida eu já desfiz; contei à melhor amiga, deixei escapar nos altos papos da madrugada ou nos versos de uma canção. Fraquezas da condição humana, talvez. Você jura nunca entregar o ouro, mas, quando vê, dá com a língua nos dentes. No fundo, estava louco para desabafar e ouvir algo a respeito do mistério – só para cristalizá-lo, dar a ele um “certificado de existência”.

Outros mistérios ainda se encontram lá no fundo da minha alma, onde a razão não dá pé. Intactos.

Mistérios desacreditados, abandonados, difamados pela consciência e humilhados pela autocensura. Mistérios depravados, proibidos, encarcerados lá no sub-sub-subconsciente, que é para não haver perigo de fuga.

Mistérios não vão às compras, não andam de ônibus, não saem de viagem. Quando ameaçamos sair, eles ficam escondidos atrás da orelha. Como a pulga.

A maioria se nega a ir à terapia, inclusive.

Os mistérios são o nosso subtexto, as nossas entrelinhas. Aquilo que não se vê e não se ouve, mas vem à tona nas horas mais impróprias, involuntariamente. É só dar a deixa.

Ou vai dizer que você não tem algum?

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