02 fevereiro 2003

DELÍRIOS DOMINICAIS DE UMA BAIXISTA GAÚCHA EM CRISE


Alô, ouvintes, hoje por favor* peço que me leiam em voz alta, porque o meu texto vai ficar melhor em áudio que em vídeo, uma vez que estou despreocupada com os pormenores literário-gramatiacais e coisinhas de hábito, se é que me entendem, de quem lida melhor com a palavra escrita que com a falada, a frigideira, o interfone, o porteiro, os vizinhos e até mesmo as próprias unhas.

* notem que o “por favor”, na primeira linha, não está entre vírgulas. Vejam como me permito relaxar, não sou uma escriba careta, presa às normas, encarcerada na gramática; meu vôo é livre, leve, solto. E me desculpem o ponto-e-vírgula, antes que eu me esqueça.

Então, continuando, não esperem versos ordenados, parágrafos coerentes, idéias sólidas. Hoje o papo é torto, estou em crise, não sei se já disse.

Vocês sabem qual é a diferença entre uma cantora e uma vocalista/instrumentista? As unhas. Por isso é que me revolto quando alguém diz “aquela cantora”, referindo-se a mim, pobre de mim, que há anos carrego o peso grave do contrabaixo nas costas, e privo minhas unhas de um tratamento digno de uma donzela, a donzela esta, justamente aquela donzela que sou. (Sobre o texto: eu avisei).

Nada contra as cantoras de belas unhas, segurando seus microfones com a delicadeza e o glamour que lhes convém, usando saias curtas ou médias ou longas, tecidos leves, maquiagem rósea, sorrisos carismáticos, dançando conforme a música. Muito pelo contrário, até muito admiro esses canários de belas ou médias ou feias pernas, que muito encantam seu público, e muito me inspiram, na verdade.

O caso é que há uma diferença entre nós, e o equívoco foi se convencionar que qualquer elemento feminino que esteja sobre um palco é, invariavelmente, uma cantora. Não o é. Aliás, não o somos. (Ou seria “não os somos?” Ossomos?? Não interessa, hoje o texto é o de menos, já avisei).

Foi-se o tempo, meu amigo, em que os barbados seguravam suas guitarras, seus contrabaixos, ou sentavam-se a batucar em suas baterias, e depois chegavam em casa, exaustos, às seis da manhã, e esperavam que suas esposas lhes tirassem os chinelos e preparassem o jantar – nesse caso, o café da manhã. Estão rindo de mim, mas a classificação errada de que qualquer mulherzinha no palco é cantora, e não vocalista ou instrumentista, veio desse tempo mesmo!

A diferença, repito, está nas unhas e nos calos.

O que quero dizer, com esse manifesto, é que o serviço pesado há muito já não é feito só por eles. Estamos no mesmo palco, dividindo melodias e acordes, ritmos e levadas, no aplauso e na vaia, até que a morte nos separe.

Não é muito mais bonito assim?

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