04 setembro 2003

Coletâneas – vide bula.



As gravadoras inventaram essas coletâneas, e a gente é que paga o pato. Coisas da indústria fonográfica.

Não há nada mais ingrato do que isto: misturar, num só disco, de modo completamente irresponsável e aleatório, canções de um compositor qualquer. E querer que faça algum sentido.

Estou falando como ouvinte, até para não entrar em tônicas mais – digamos - estridentes. O pobre desavisado que, como eu, ganha uma coletânea de Natal, acaba pondo o presentinho na vitrola e se deparando com a própria vida, esquartejada, de cabeça para baixo, bagunçada, ininteligível e sonorizada. É o fim.

Depois de uma certa idade, há que se ter alguma cautela com o passado. Gravadoras ignoram isso, mas ocorre que a história de uma pessoa não se resume a um fichário em ordem alfabética. Aliás, se há alguma ordem na vida, trata-se dessa desgraça da cronologia, que pinta o cabelo dos outros de branco e sai – literalmente – correndo por aí.

Nem me refiro ao compositor esquartejado; falemos de arte e artistas noutra oportunidade. Se me permite o egocentrismo, refiro-me ao meu querido umbigo, coitado, que já viveu algumas décadas, arrepiou-se com várias canções, emocionou-se com os saxofones da vida, chorou junto com centenas de sanfonas, pulsou contrabaixos, bateu tambores, nasceu nas introduções e morreu nos últimos acordes – tudo na ordem da tal cronologia, como manda o figurino.

Meu velho umbigo não acha justo, portanto, que alguma imperatriz fonográfica venha obrigá-lo, a essa altura do campeonato, a sentar-se em frente a um aparelho de som e sentir nas entranhas todas as emoções vividas ate então - completamente fora de ordem e contexto. Cadê justiça?

Um disco de coletânea, perdoem o meu exagero (eu tenho sotaque de Júpiter), é um passaporte carimbado para o enfarte de um amante da música. Digamos que a primeira canção traga uma doce lembrança - a do casamento. Primeiro, que o sujeito não se vê casando: ele se ouve. Três minutos depois da trilha do casamento, a criatura se depara com o tema que lhe remete ao motivo do divórcio. Assim, no seco! Não há coração que resista.

O Ministério da Saúde deveria criar um selo de advertência e obrigar as gravadoras a divulgarem os possíveis riscos de se ouvir uma coletânea. Eu não recomendaria a gestantes e cardíacos.

Além disso, seria interessante que as coletâneas viessem com uma bula, contendo informações necessárias, como posologia (adultos e crianças) e contra-indicações. Já que não há encarte com as letras, então que haja algum texto relevante no interior do produto.

Tudo bem, pode ser que eu esteja fantasiando, e que nada disso faça sentido.

Nesse caso, tanto melhor – porque as coletâneas também não fazem.

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