06 maio 2004

Das coisas estranhas que cultivo, construo ou cultuo


- Uma garrafa (vazia) de saquê que virou castiçal

Decoradores devem repudiar tal improviso, mas eu nem ligo: no gargalo, enfio uma vela e deixo queimá-la até o final. Com sorte, escorre um fiozinho de cera e enriquece a peça, artisticamente falando.

Sonho com o dia em que meu castiçal estará quase que completamente desenhado, em alto relevo, pelas linhas tortas dos meus falecidos pedidos, minhas meditações e transes, meus desejos descabidos – realizados ou não -, além de, é claro, o útil socorro nas noites de apagão.

Quando não der mais para encontrar sentido nas linhas – aí, sim, a peça fará todo sentido do mundo.


- Filomena, a ressuscitada

Quando era pequena, tinha uma enorme boneca de pano que arrastava por todo lado: a Filomena, que viria a falecer anos mais tarde, numa dessas faxinas da vida.

Pois, há pouco tempo, li em algum livro de psicologia que era interessante investir certo tempo na construção de alguma coisa de valor afetivo; mas que fosse palpável, e confeccionada só pelas nossas mãos. Que faria um bem danado à auto-estima.

Foi quando, sem pestanejar, ressuscitei a Filomena.

Está certo que ela hoje padece pela minha visível falta de habilidades manuais, posto que é pouco maior que uma caneta, tem cabelos de barbante, sorriso de um traço só (de esmalte rosa) e mais parece um bonequinho de vodu. Não importa. É a minha Filomena de sempre, companheira irretocável nas horas mais sinistras, de corpo e alma em riste, paciente e ótima ouvinte. É o que basta.


- A esteira esquizofrênica

Essa esteira elétrica eu mantenho em casa por pura compaixão, uma vez que, claramente, já deveria ter sido encaminhada a um manicômio de geringonças. O resumo do surto é simples: ela pensa que é um cabide. Vive, age e se porta como tal.

Como herdei o objeto de meu pai – que também não é lá muito adepto dos esportes -, desconfio seriamente de que a educação tenha contribuído para o agravamento do quadro. Uma camisa pendurada aqui, uma toalha molhada ali, e está feito o imbróglio: a bichinha jamais voltará a si.

E não serei eu maluca de querer contrariá-la.


Vou pensar ainda em outras coisas, e adicioná-las à lista.
Acreditem, são muitas.

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