05 maio 2004

Elisabete não interage


Peguei um busum maneiro hoje. Isso para entrar na linguagem dos cariocas, ou de parte deles. O busum era igual a todos os outros, mas o motorista era a particularidade daquele coletivo.

- Motorista! Você me deixa no início da praia do Leblon? – Perguntava uma dama, esticada sobre a roleta que já tinha passado.

O motorista fez sinal com o polegar em riste. Positivo, madame.

E logo perguntou a quem quisesse ouvir:

- Qual é a praia do Leblon, afinal??

Achei que ele estivesse de brincadeira. Estávamos na Av. Niemeyer, e qualquer gaúcha como eu sabe que o Leblon é a primeira praia depois dela. A cobradora (Elisabete, descobri depois) resolveu ajudar:

- É a próxima que você vai ver.

- Aaah, positivo.


Alguns metros depois:

- Elisabete, tá vendo aquele cara ali na praia, com a camisa cor-sim-cor-não? Repara, Elisabete. Tá discutindo com a própria sombra, coitado. Eu conheço ele. É lá de Cascardura, Elisabete. Doido, doido.

(Elisabete nem ouvia, tamanho era o barulho do motor do ônibus. Mas ele continuava o discurso, como fosse um palestrante sem se importar com o feedback).

- Dia desses, Elisabete, estava o doido discutindo com a sombra, foi quando um “poliça” cismou que era com ele. Os poliça, você sabe, quase nunca aparecem. Quando aparece, Elisabete, pode escrever que é pra dar uns tiros pra cima e levar meia-dúzia de pobre-coitado, ou dar uma sova. E foi o que ocorreu nesse dia, foi quando deram uma sova, mas uma sova nesse maluco, que eu não sei como ele ainda tá vivo, o pobre.

E mudava de assunto, subitamente:

- Tá dando pra ver a lua daí, Elisabete? Ainda não tá cheia. Amanhã fica cheia. Amanhã vou cortar o cabelo.

Elisabete arrumava o casaco, contava os trocados, controlava a roleta. Tinha um cabelo crespo sem volume, empapado de gel, e um sorriso difícil.

Talvez, se Elisabete interagisse mais...

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