28 maio 2004

O sorriso sedutor das pastas


Às 7h da manhã eu me encontrava no supermercado Zona Sul, enchendo um carrinho com os meus vícios básicos, foi quando me ocorreu: mas que diabo! As prateleiras estão cheias de coisas inúteis, e elas sorriem para você!

No balcão dos frios, por exemplo, uma infinidade de pastas: pasta disso, pasta daquilo outro. De salmão, de azeitona, de sei lá mais o quê. Caviar!

E eu lá sou mulher de pasta?

Mas é chique, pasta. Você sabe, em toda casa chique tem uma mulher chique que atende o seu celular minúsculo – porque mulheres chiques só falam no celular, mesmo dentro de casa -, e é o marido chique, que pergunta: amôôô (essa parte é tudo igual, não há chiqueza que resolva), vou chegar mais cedo, estou a fim de convidar o Sérgio e a esposa para assistirem àquele DVD com a gente, o que é que você acha?

E a esposa chique, moderna e descolada, responde que adorou a idéia, vai comprar umas pastinhas para combinar com as torradinhas que eles têm na despensa. Sim, porque gente chique vive com a despensa abarrotada de coisas que só servem para eventuais eventos. Que gente chique não dá festa: promove evento.

E lá vão os chiques para o evento do DVD com pastinha, regado a Prosecco, claro. Prosecco que, aliás, está bem ao lado das pastas no balcão dos frios. Ali, onde a gente confere o preço da mortadela e não leva porque achou caro. Bem ali.

Pois, aqui em casa, quaaaando tem festa, evento é o que vem antes: a correria que se dá rumo ao hipermercado com o melhor preço da cerveja, ainda que seja longe, ainda que seja tarde. E lá sempre se acha uma pizza, dessas de fabricação própria, com sorte você ainda encontra um pague-duas-leve-três, já pensou, que luxo?

O primeiro que acha a skol a 85 centavos bipa o outro, que bipa o outro, e acabou-se a gincana. Reúnem-se os comensais, a pizza vai ao forno e depois que esquenta não se sabe nem mais o sabor, porque é tudo igual: uma bolacha grande com queijo derretido e uma azeitona em cima. Evita-se, assim, o indesejável “não gosto disso”, “não gosto daquilo” (com certeza presente no complexo mundo das pastinhas).

Aqui você tem duas opções claras: o sólido e o líquido. Não é bem melhor?

Seria. Seria, não fosse a vasta quantidade de pastinhas sorridentes que pululam, através dos vidros embaçados, oferecendo-se em sabores inimagináveis à nossa fértil imaginação gulosa, típica da pessoa dura. Sem contar com aqueles moços enfiados em máscaras cirúrgicas, atrás do balcão, ameaçando com os olhinhos de fora: duzentos gramas? Trezentos gramas? Vai levar? Vai levar?

Tenho uma relação de amor e ódio com essas pastinhas, que não é brinquedo. Hoje, por exemplo. Quase comprei cem gramas de uma, tão rosada, tão cremosa... mas, pensei: vou comer com o quê? Teria de trazer torradas também.

Aí, já era demais. Daqui a pouco vou estar desfilando de terninho de risca-de-giz, com um escarpim em cada pé caloso. Chega.

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