14 julho 2004

Se é que me permite...


Às vezes eu tenho vontade de chegar perto das pessoas, com esta minha cara de “se é que me permite”, e me permitir algumas coisas - mesmo sem esperar ser permitida.
Se é que me entende, mesmo sem ser entendida.

Não digo apoiar o queixo na mão e franzir a testa - que isso eu já faço há anos -, e discutir alguma relação, ou criticar alguma atitude, sugerir melhoria de comportamento. Muito pelo contrário; cultivo uma gana silenciosa de atropelar certos padrões da sociedade e cometer uma indiscrição digna de burburinhos paralelos. Sem base, mesmo.

Abordar uma mulher que nunca vi mais gorda e me oferecer para carregar as suas sacolas. Dar um beijo na testa do motorista do ônibus. Passar a mão no cabelo de um adolescente com cara de rebelde. Cutucar um senhor barrigudo e pedir que observe como é ainda maior a barriga daquele outro.

Se é que me permite, eu adoraria perguntar tudinho sobre a sua vida, e ainda fazer observações a respeito dos seus parentes. E vou falando (se é que me entende) como se eu fosse a mais íntima das criaturas (mesmo sem você entender patavina), e dou pitacos na herança dos seus pais, no corte de cabelo da sua tia ruiva, e ainda sugiro que seu afilhado mude de colégio – assim, no meio do ano letivo.

Ninguém entenderia uma mulher desgovernada como eu, distribuindo ações descabidas a quem visse pela frente. E ninguém gostaria de ser abordado de maneira diferente daquela usual, aprovada e garantida do dia-a-dia.

Primeiro, porque não se usa gostar de nada que nos tire do prumo.

Segundo, porque as pessoas hoje se armam mais e se amam menos.

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