08 abril 2005

Buenos Aires

Então eu fui a Buenos Aires, cidade que eu não conhecia e pela qual me apaixonei, de pronto, assim que saí do aeroporto e um vento geladinho bagunçou meus cabelos. Nota da produção: “bagunça” gera uma sensação-relâmpago de - ooooops, cadê as coisas, cadê eu? -, e o que se segue a isso é, geralmente, friozinho na barriga (mais) disposição para criar uma nova ordem (mais) ânimo (mais) inspiração (mais) excitação. Ou não! – isso depende do vivente.

De qualquer modo, fui muy feliz ao chegar lá, com “bons ares” – captou o trocadilho? - me recebendo antes mesmo de questionar a minha graça. Gracias! - respondo a tudo, até porque não sei dizer outra coisa em castelhano.


E quantas graças!

E por falar nas graças e nas gracias, quantas praças! Buenos Aires é uma grande praça florida com uns pedaços de cidade no meio. Árvores velhinhas, pero enxutérrimas, abraçam os desavisados, aqui e ali, e não se pode escapar do colo dessas vovós verdes – algumas com lindas pulseiras cor-de-rosa enfeitando e perfumando todo ambiente. Muitas, muitas graças a Deus.


Cafés cenográficos

Inventaram a máquina do tempo, e não me haviam contado!

Entrar num café tradicional, bem no centrão de Buenos Aires, é uma roleta com sinal verde para o passado; até parece tudo de mentirinha. As senhorinhas bebendo chá, os senhores com seus petiscos, os garçons mal humorados... pensando bem, tudo combinava ali. Eu é que entrei de penetra. Uma mulher cenográfica num café de verdade – era isso que eu (não) era.


Pecadinhos

Minha-Nossa-Senhora, como se come bem naquele lugar!!! E barato. O número de padarias, confeitarias, cafés e demais lojinhas pecaminosas que exibem, sem vergonha alguma, quilos e quilos de doces coloridos, cremosos e açucarados nas vitrines – eu disse vi-tri-nes! – é algo impressionante. A gula é um pecado inevitável. Com a graça de Deus, pude cometer outros. Amém.


Não é proibido fumar

Em lugar nenhum. E sabe o que os argentinos fazem? Fumam em todos!

Em ambientes pequenos e fechados, inclusive. O motorista do táxi fumava enquanto dirigia. E não usava cinto de segurança. Aliás, nenhum deles usa. E os carros são velhos, muito velhos. Alguns, caindo aos pedaços.

Cruzar a cidade num táxi é ter a sensação de tê-la cruzado a cavalo. A bunda, eu digo.

Ai, que exagero.


Ai, que exagero! – O Tango

São as influências do tango. Que eu já conhecia, claro, e gostava muito – porque, de tango, ou se gosta muito, ou não se gosta nada. Aliás, é primo da nossa velha e boa milonga dos pampas. Mas eu nunca tinha ido a um show de tango. De modo que aproveitei a virgindade e dei logo dobrado: fui a um show só de música, e a outro de dança. Te mete.

Que delícia, o tango! Um exagero de bom. No palco, um bailarino sacode uma mulher de borracha no ar, e segundos depois ela está firme e tesa no chão, a dividir compassos como quem negocia a vida, como quem decide um amor. Me dá um arrepio gelado; o tango é emocionante. Me dá um calorão súbito; o tango é sensual. Me dá uma sensação de força e leveza ao mesmo tempo.

O vôo da mulher de borracha e o pouso da mulher de ferro – a mesma mulher, macia e contundente, frágil e bruta, flexível e fixa.
Me dá uma baita comoção.
...
Me dá o prazer desta contradança?


Língua

Tá bem, todo mundo arrisca um portunhol. A gente sai daqui certo de que vai abafar. Chega lá, babaus: aquele povo fala muito rápido! Várias vezes, tive vontade de voltar a fita. Algumas vezes, de perguntar – TÁ COM PRESSA? Eeeeeu, hein?

Não ia adiantar nada. O argentino não é muito bom ouvinte; assim como não respeita as faixas de segurança no trânsito (aliás, como nós outros), também atropela as suas pobres investidas – si... pero... como? – e segue falando como se não houvesse interlocutor vivo. Sobretudo se a pessoa for meio tímida, como esta que vos fala.

Melhor é fazer como eu. Disse “gracias”, ininterruptamente, e me senti absolutamente segura com as únicas duas palavras que aprendi em espanhol durante a estada – e que foram suficientes para a minha sobrevivência na Argentina. Mas pronunciei sempre com atitude, não raro com o dedo em riste (juro):

- COCA LIGHT!

O quê?? Precisa ver como me respeitaram.

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