10 novembro 2005

Poesia


Ao abrirem as cortinas, o público estava eufórico: ávido pela doce fumaça que lamberia as luzes coloridas piscantes que enfeitariam o chão do palco que abrigaria premiados atores-cantores que entoariam canções lendárias cujos finais parecessem ter sido feitos – e foram mesmo – para provocar um ataque de choro compulsivo coletivo capaz de lavar as almas dos mortais presentes, bem como de seus parentes, e dos ausentes, e (aproveitando) também dos parentes dos ausentes.

Bem, deu-se nada disso.

Veio só o preto no branco: texto dito por um poeta desconhecido, calvo, de estatura mediana, sapato meio gasto, oriundo (o poeta, não o sapato) não se sabia do interior de que parte, importado (o sapato, não o poeta) certamente do raio que o partisse.

Ninguém chorou um pingo. Mas, naquela noite, foram todos (mais ou menos) até a lua – e, olha, alguns até voltaram.

Ou seja: a poesia é uma espécie de “atalho” que a gente cria para andar mais. Daí o sapato gasto.

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