04 julho 2009

A filha e a mãe, de anilhas

A mulher atravessava a rua. Os ombros em formato de cabide, os cabelos espichados e os lábios inflados, assim a mulher atravessava a rua. A pedestre fez tanto exercício que ficou com cara de anilha.

Passava dos quarenta e poucos, mas só do nariz para cima e do joanete para baixo. As pernas de vinte, os braços de trinta.

Dentro da cabeça era teen, e pior: orgulhava-se.

***

A filha tinha 19 anos, usava vestido anos 50 e era fã de Truffaut. A mãe atravessava a rua, só.

Filha e mãe envelheceram juntas. A primeira concluiu a faculdade de cinema, foi se enfiar numa agência de publicidade, casou-se com um tocador de bongô de sotaque indecifrável e sobrancelha de taturana. Mudaram para Botafogo, onde adotaram um cão.

A mãe atravessava a rua e corrigia uma flacidez aqui, uma postura acolá. Pilates.

A filha fez 25, 30, 35... Já a mãe não fazia questão.

Quando a filha chegou aos 40, finalmente teve a oportunidade da sua vida e se mudou para Barcelona, a fim de concluir suas coisas. Aí aconteceu um negócio interessante. A filha, que a essa altura já estava mais velha que a própria mãe, deixou então duas heranças, que a mãe logo abraçou com cabides e joanetes: um pacote recém iniciado numa clínica estética, e um tocador de bongô recém divorciado. Ambos em Botafogo.

A mãe passou a atravessar a rua em ritmo caribenho, o que era muito mais divertido.

6 comentários:

Eliana disse...

Meu Deus!,
não sei se rio ou se choro.
bjs

bibi disse...

Na hora que escrevi eu dei muita risada, mas realmente, agora relendo... Ficou meio ácido, kkkkkkkkkk!
beijos.

Anônimo disse...

Gostei, gostei, gostei! Acido ou alcalino, não importa o PH! O texto é uma delícia. Quando tiver um minutinho, nesse tempo chuvoso, o meu tá aqui ó http://piscardeolhos.wordpress.com/
Parabéns pelo Blog.
Beijos xx

Rose Araujo disse...

Amei!!

:)

bibi disse...

E não é que eu ponho uma pitada de ficção e vocês me surpreendem com comentários fofos?
Amei eu!!!
:o)

anlene gomes disse...

ai bibi, você é otima, com ou sem ficção. adoro tua verve! bj