01 abril 2004

Reprise


Dirty Dancing




Quando o Patrick Swayze me olhou com aqueles olhos de quem sabe alguma coisa que a gente não sabe, achei que nunca mais seria a mesma. Enganei-me: estava era começando a descobrir a pontinha do topete das anteninhas do iceberg daquilo que, ora bolas, já nasci sendo: uma mulher comum, fruto da flor que me pariu na primavera de 77.

Uma guria que usou Havaianas no tempo em que ainda não era moda. Uma fedelha que jogava futebol de botão e brincava de Playmobil com o irmão, enfim, uma seja-lá-quem-fosse, apenas e orgulhosamente qualquer mulher, como você e as outras – e até aquelas, ainda outras.

Patrick foi um amor fugaz, admito. Nem cheguei a colecionar meia-dúzia de fotos da revista Capricho. O que mais me abalou naquele verão que não era meu, com aquelas danças que não eram minhas, foi o sopro que veio junto com She’s like the wind.

Aaaah! Esse, sim, era de todas nós.

Dirty Dancing, um filme bobinho e comercial - com uma trilha sonora, ora melosa, ora dançante, com atores tecendo a história munidos de expressão corporal, coreografias e algum carisma. Só.

Não para nós, quaisquer meninas da época. Para nós era o clima: um sopro entorpecente que nos tirava de onde quer que estivéssemos e nos punha dentro de um lago, nos braços de Mr. Swayze, ao primeiro acorde de She’s like the wind.

Outros Patricks vieram, noutros lagos mergulhamos – em muitos, nos afogamos. Tivemos que endurecer um tanto, em respeito aos sutiãs que nossas mães queimaram, ou por necessidade mesmo.

Algumas de nós estão por aí, cravejadas de piercings e com o cabelo vermelho espetado para assustar o Patrick mais ortodoxo. Outras, mais contidas, enfiadas em suas teses de mestrado ou num chat de namoro. Somos meio antenadas, meio fashion, meio siliconadas. Algumas estão casadas com eles; outras, com elas – aquelas, que também somos nós.

Muitas de nós estão atarefadas demais para pensar no Patrick de suas vidas. Preferem o sexo sem compromisso, doses de caipiroska e anos de análise.

Mesmo assim eu duvido que, na calada da noite, alguma de nós ainda não tenha sido atropelada pelo furacão em que aquele humilde sopro é capaz de se transformar – passados 15, 20 anos.

Bobagem de amor romântico, dirão as mais céticas. Tanto faz. Eu prefiro chamar de sopro – ou vento, ou furacão. Um bocadinho de ar que assume a dimensão que damos a ele, mas se movimenta à nossa revelia.

E te digo mais: sou do time que ainda acha que um sopro a mais não faz mal.

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