16 junho 2001

Eles que se cuidem!
Bíbi Da Pieve

Em Copacabana, mais uma vez, houve assalto dentro de um ônibus. A arma, descobriu-se depois, era de brinquedo. Mas não avisaram a cobradora, uma mulher de 42 anos, que, visivelmente, não estava para brincadeira.

***

Eu tinha uns dez anos, e era presidente da turma. Fora eleita, pela maioria dos meus coleguinhas, para este importante cargo. A professora dizia que eu deveria zelar pela harmonia do grupo, sendo responsável pela ordem e união de uma classe de mais de trinta pimpolhos. Adorei a idéia.

Juntamos dinheiro, os pimpolhos e eu, vendendo bolo de cenoura e chocolate. Queríamos uma bola de vôlei. Conseguimos comprá-la. Eu era uma boa presidente.

Às vésperas do primeiro torneio de vôlei, a bola sumiu. Foi aquilo. Todos ficaram chocados; havia um ladrão mirim entre nós, e precisávamos descobrir quem era.

Como presidente, fui muito cobrada. Trinta e poucos eleitores exigiam que eu tivesse pulso suficiente para tomar uma atitude rígida, uma medida realmente severa, que pusesse fim naquele mistério. E eu não tinha nem uma vaga idéia de que medida poderia ser aquela.

Passei noites em claro, apavorada; só pensava no escândalo da bola de vôlei. Como saber quem a tinha roubado? E se, por acaso, tivesse sido uma amiga minha? Como ficaria a minha imagem? E se a bola simplesmente tivesse se perdido de nós, assim, como bola que rola, escada abaixo, buraco adentro, nunca se sabe, e nunca mais se acha? À época, ainda não se falava em CPI.

No dia do tão esperado torneio, estávamos todos reunidos na quadra de vôlei, esperando. Eu havia feito um apelo dramático, um dia antes: fui à mesa da professora, virei-me para aquela pequena nação, e supliquei, quase lacrimejante, que o gatuno devolvesse a bola, na calada do meio-dia, como quem não quisesse nada, no mesmo lugar de onde a havia roubado. O caso seria abafado, e faríamos um lindo torneio.

Mas a bola não apareceu.

Particularmente, eu suspeitava de um menino. Ele tinha atitudes estranhas, e era a figura que mais se alterava quando tocávamos no assunto da bola. Tinha cara de pessoa que roubava bola de vôlei só para ver o circo pegar fogo. Não que precisasse; ganhava uma boa mesada, o pai era médico famoso. Mas ele não me enganava, eu tinha certeza que algo esquisito havia ali. E nunca tinha ido muito com a cara dele, mesmo.

Pois foi justamente o Maurício quem resolveu incendiar a discussão, no dia do jogo que não aconteceu. Via-se, claramente, que ele jogava a opinião pública contra mim, gritando que a culpa era das autoridades, e que, de duas, uma: ou eu dava um jeito de providenciar outra bola no ato, ou se elegeria alguém mais competente para o cargo da presidência.

Eu fui ouvindo aqueles desaforos todos, mas sabia que precisava manter a calma. Sempre fui muito contida e racional. Não seria inteligente da minha parte, só porque ele me ofendia, descer ao baixo nível em que já se encontrava aquela discussão. Eu teria cautela. Não fosse o Maurício ter tocado num ponto crucial:

- FORA, QUATRO-OLHO!!!!!!!

Eu tinha começado a usar óculos naquele ano. E odiava. Sofria muito com o preconceito. Saía do sério.

Quando dei por mim, estava montada em cima do Maurício (já caído no chão), enchendo aquela boca suja de murros. E ameaçando:

- Agora você não vai mais precisar usar aparelho, porque eu vou consertar estes dentes da frente é na mão mesmo!!!

Não houve jogo. Naquele mesmo dia, renunciei ao meu cargo, por - sabiamente - concluir que não tinha sangue de barata suficiente para lidar com política. O Maurício, coitado, acabou com os dentões da frente jogando lá na zaga.

***

Mas, voltando ao assalto em Copacabana: a cobradora se grudou no pescoço de um dos assaltantes, e explodiu num ataque irado que terminou rasgando o rosto do sujeito a socos. O azarado foi preso. O outro bandido, mais ágil, conseguiu escapar - da cobradora, não da polícia - pela porta de trás.

Não entendo nada de comportamento feminino, mas, seja lá o que isso signifique, percebo que alguma coisa está mudando. E, sempre que posso, aviso aos homens que me são caros: cuidem-se, por favor. Foi-se o tempo em que a nossa maior agressão era deixar acumular roupa suja. Agora, resolvemos as nossas sujeiras de um modo menos meigo. Foi-se o tempo.

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