16 junho 2001

Minhoquice crônica
Bíbi Da Pieve

Fico me segurando, o tempo todo, para não cair no texto filosofante eterno. Sabe aqueles textos enormes, quase sem ritmo, que começam com uma idéia, e vão para outra, e outra, e acabam achando uma ligação esquisitíssima entre elas, até que você começa a desconfiar seriamente das condições mentais do autor? Aí você passa pela fase da dúvida - será que o doido aqui sou eu? -, e, invariavelmente, termina concluindo que, sim, o maluco é você, e ponto final.

Certamente, caro leitor, eu sou uma filosofante enrustida. Confesso.
Faço de conta que não sou, mas, quando estou a sós com a minha caneta e o meu confidente cadernão universitário, meu amigo, não queira ler aquelas enfadonhas e mal pontuadas linhas.

Estou me sentindo como uma falsa-loura-siliconada-que-fez-15-plásticas-e-ainda-acha-pouco, mas é preciso mostrar a mole realidade: meu texto - o verdadeiro, não este aqui - é cheio de pelancas. E celulite.

A minha letra, pra começar, é um desastre. Letra insegura, sem caráter. Acredita que ela ainda não se decidiu para que lado cai? Isso é até uma questão política, eu insisto com ela, mas a danada teima em cair cada dia para um lado diferente.

Os assuntos sobre os quais discorro, sem a mínima propriedade - mas cheia da moral! -, vão de religião a rock'n roll, passando pela psicologia - e ficando umas boas páginas por lá. Sim, porque todo chato pensa que é psicólogo. Não fujo à regra.

Aqui está o meu cadernão, que não me deixa mentir. Observo as primeiras linhas, e já embarco num rocambole interminável de idéias obesas e perfeitamente dispensáveis, de modo que meu próprio senso crítico de leitora já trata de providenciar o bote salva-vidas. E pulo fora. Nem eu me leio.

O problema começa quando sinto uma irresistível atração por um pensamento - pode ser qualquer um, estou falando sério! -, agarro-me naquilo, com toda força, e saio a galope para nunca mais voltar. Pronto. Todas as minhas idéias são uma passagem só de ida.

É claro que eu sempre filosofo buraco abaixo. Se for para concluir que a vida é bela, é melhor que não se pense muito. Eu levo muito a sério esta coisa de filosofar; não vejo graça nenhuma em ficar construindo castelinhos de areia, não, vou logo esburacando, para ver o que há lá embaixo.

O amigo leitor, depois desta amarga confissão, deve estar se perguntando, afinal, como é que eu faço para não trazer todos os meus vícios textualmente suicidas para uma coluna como esta. Por que eu não me entrego aos prazeres patológicos da filosofia aborrecida?

Simples: eu procurei ajuda.

Foi um amigo escritor que me salvou, um belo dia, quando eu ia esquentando os motores da minha escavadeira filosófica; ele virou-se para mim, e observou, com honestidade:

- Credo! Mas você minhoca demais!!!

Minhocar - pensei. O que viria a ser minhocar? Minhocar, como assim? Minhocar, mas em que sentido?

Passei uma semana inteirinha no subsolo do meu cérebro, minhocando sobre o ato de minhocar. Tudo o que eu minhocava, registrava no meu cadernão. Naquela semana, mal saí de casa. Não podia: precisava minhocar, "devagar e urgentemente", para descobrir quais seriam as causas, as conseqüências, os benefícios e os malefícios da minha minhoquice crônica.

No sétimo dia, desencanei. E escrevi um leve texto, sucinto, esbelto, objetivo e até bem divertido.

Finalmente, eu estava curada. Não da minhoquice crônica - porque continuo filosofando desvairada e descaradamente -, mas da falta de solidariedade. Hoje em dia, minhoco no meu canto; sei que não é legal fazer dos outros minhocantes passivos.

Minhoco, solitária, e ainda engulo a minha fumaça. Faço isso durante seis dias. No sétimo, escrevo uma crônica.

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