16 junho 2001

O alheio
Bíbi Da Pieve

O que é que interessa, na vida da gente, se não a vida dos outros?

Os meios de comunicação, trocando em miúdos, são fofocagem explícita. Não no mau sentido; entenda. Comunicação - convenhamos! - é falatório. Troca de informação.

Informação nada mais é do que um fato que se espalha, estou errada? Tenha a paciência.

A primeira coisa que você faz, de manhã, antes mesmo do seu filho acordar, é olhar para a cara de um jornal e dizer - bom dia. Bom dia, mundo.
Bom dia, manchetes. Bom dia, informação (termo eufemísitico que quer dizer: especulação sobre a vida alheia).

Não sei que grande encanto o ser humano tem por ele próprio, de modo a criar enormes livros sujos diários que só têm a finalidade de discorrer sobre a vida dos outros, mas o fato é que, fora o horóscopo e os quadrinhos, tudo o mais é uma convicção descabida e pretensiosa sobre o alheio. E eu acho ótimo. Mas, que é esquisito, é.

Uma professora de yoga me dizia que meditar era o ato de eu me encontrar comigo mesma, e eu ia fundo. Meditava mesmo. Marcava hora, e tudo. Hora comigo mesma. Sempre fui meio britânica com essas coisas; não foi difícil meditar em ponto. Só tinha um problema terrível: faltava-me o alheio.

A humanidade é totalmente voltada para o alheio. Tudo bem, o Ocidente; que o Oriente é mais dado a meditações, e até deve ser por isso que eles têm os olhinhos apertadinhos - de tanto olhar para dentro.

Do lado de cá, nós, olhudos, passamos a vida toda apreciando o verde do gramado do vizinho - e falando mal dele. Tivemos o trabalho de organizar os assuntos - política, economia, saúde, país, mundo, diversão -, e ainda criamos uma escala de importância para eles. Tamanha a nossa vontade de furungar na grama dos outros. Veja a que ponto chegamos.

Só pode ser o tal narcisismo. Não pode ser que ninguém perceba isso. O ato de bisbilhotar no alheio nada mais é do que a adoração do próprio reflexo. Estamos vidrados na nossa imagem. A "era da informação" é isso: a humanidade, penteando o cabelinho.

O ápice do narcisismo moderno é a Internet; o nosso imenso espelho virtual. Sim, porque, ali, a informação é rápida. Quanto mais veloz (e nítido) for o reflexo, tanto melhor o espelho é. É por isso que estamos nesse clima quase orgástico de deslumbre.com!

Quem procura, acha. Não é de hoje que estamos penteando o cabelo em frente ao espelho. Muito bonitinho, esse ritual. Acontece que, mais cedo ou mais tarde, podemos acabar dando com os burros n'água. E eu fico me perguntando: já pensou se descobrimos, um belo dia, que somos um imenso tribufu? Temos fortes indícios, confesse. Ou você não lê os nossos espelhos
periódicos? Desse jeito, não haverá bisturi que dê conta.

Estamos assediando demais o alheio. Eu dizia, lá em cima, que "informação nada mais é do que um fato que se espalha". Deixa eu corrigir: informação nada mais é do que um fato que se espelha.

A minha professora de yoga é que tinha razão. Melhor mirar um pouco para dentro, agora. Quem sabe, se cada um descobrir o tribufu por conta própria... pode ser que ainda dê jogo.

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